quarta-feira, 7 de outubro de 2015

TRABALHO - Fazendo o caminho de volta

Usinas empregam trabalhadores que foram demitidos do Complexo de Suape

   
Da Folha de Pernambuco
Felipe Ribeiro/Folha de Pernambuco
Atividades com carteira assinada se concentram, principalmente, nas usinas
Filho do município de Joaquim Nabuco, na Zona da Mata Sul de Pernambuco, Enildo José da Silva, 49 anos, iniciou a vida profissional na usina Pumaty, nesta mesma cidade. Quando o negócio entrou em dificuldades, em 2013, ele rumou para o Complexo Industrial Portuário de Suape, o então Eldorado dos empregos no Estado. Depois de um ano numa prestadora de serviço da Refinaria Abreu e Lima, os escândalos de corrupção e a desmobilização de obras ceifaram o posto conquistado. O caminho de volta para casa poderia ser amargo, não fossem as oportunidades no setor sucroalcooleiro. Em um período de queda do emprego formal, as vagas ligadas à cultura canavieira estão invertendo o êxodo de trabalhadores do interior para Suape para um movimento de retorno à zona rural. “É muito bom ter um trabalho de qualidade na minha cidade”, diz José da Silva, que agora é soldador na recém-reativada usina Pumaty. Em alguns casos, a experiência adquirida em Suape, ajudou a uma recolocação desses trabalhadores em postos de trabalho mais qualificados.
Enquanto a Construção Civil fechou 2,3 mil postos de trabalho em agosto deste ano ante ao mês anterior, segundo o Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (Caged), o segmento Agropecuário, onde se inserem as vagas canavieiras, apresentou saldo positivo, com um crescimento de 3,24%. Somente as usinas Pumaty e Cruangi, reativadas recentemente por um modelo de cooperativismo, geraram cada uma cerca de cinco mil empregos diretos.
“Considerando os dados, é possível afirmar a relevância dos empregos no segmento para o contingente geral do Estado, tendo em vista que as atividades com carteira assinada no setor agropecuário se concentram principalmente nas usinas, nos canaviais e na agricultura irrigada do São Francisco”, explica o economista e diretor da Agência Condepe/Fidem, Rodolfo Guimarães. Com o período de safra iniciando em meados de setembro, o pico de vagas ainda não foi retratado pelo último levantamento do Caged. “Mesmo assim, já é possível perceber a relevância desse cenário no aproveitamento da mão de obra local”, ratifica. Não é à toa que o pacote de medidas para combater a crise, anunciado pelo governador Paulo Câmara no dia 21 passado, contempla o setor, aumentando o ICMS para gasolina, de 27% para 29%, e reduzindo o do álcool de 25% para 23%.
    O economista Jorge Jatobá ressalta o movimento de reentrada dos ex-suapeiros nas atividades canavieiras como um efeito aguardado. “Era esperado uma grande desmobilização da mão de obra na construção civil, visto que apenas parte desse contingente poderia ser aproveitado na fase operacional dos empreendimentos, que exigem maior qualificação. É natural que a produção sucroalcooleira absorva parte considerável desse volume, porque é um setor tradicional no Estado, cuja alta demanda de pessoal na fase da moagem gera muitas vagas formais para os trabalhadores”, analisa.
    Felipe Ribeiro/Folha de Pernambuco
    Firmino: para a maioria que saiu de Suape, o emprego está no campo
    Assim como Enildo, outro soldador da Pumaty também regressou de Suape. Leonardo da Silva, 32 anos deixou a usina em 2009, atraído pelo efervescente mercado da construção civil. Ele só não esperava ser demitido no ano passado. “Quando a empresa onde trabalhava perdeu o contrato com a Refinaria, fiquei desempregado dois anos”, conta. “Agora reconquistei a carteira assinada e consegui até uma posição melhor na usina, aproveitando minha experiência de soldador em Suape”, acrescentou. O motorista Idomar Ramos, 40 anos, que atua na usina Cucau, também conseguiu ser aproveitado na mesma função exercida em Suape. “Voltei para minha região e estabeleci família aqui”, conta o natural de Rio Formoso.
    Depois de perder o emprego na Alusa, uma das contratadas da Refinaria denunciadas na Lava Jato, Ricardo Gabriel Borba, 36 anos ficou desempregado por seis meses. “Busquei uma saída no setor canavieiro”, diz. Contratado para o corte de cana do Engenho Cachoeira, ele comemora a carteira assinada bem no fim do período de seguro desemprego. O proprietário do engenho, José Abelardo Carneiro Leão, percebeu o retorno massivo dos antigos trabalhadores de Suape para o cultivo da cana-de-açúcar. Ele contabiliza que pelo menos 40 dos 208 contratados para esta safra são ex-suapeiros. “Muitos trabalhavam aqui antes”, relata. Gilson Firmino, 21 anos, é um deles. “Estava desempregado até a semana passada, porque ninguém está contratando. Para a maioria das pessoas que saíram do Porto o emprego está no campo.”
    Safra gera 80 mil postos de trabalho
    Felipe Ribeiro/Folha de Pernambuco
    Frederico e Gerson participaram da reativação de usinas
    Durante o período de moagem, iniciado em meados de setembro e que se estende por seis meses, as usinas pernambucanas geram cerca de 80 mil postos de trabalho, 50 mil deles no campo, segundo o Sindicato da Indústria da Cana e do Álcool de Pernambuco (Sindaçúcar-PE). Neste ano, a abertura dessas oportunidades foi estimulada por fatores externos e internos. Com a quebra da safra do açúcar na Europa e na Índia, no Brasil, na China, na América Central, o setor calcula que haja déficit de quatro milhões de toneladas do produto no mundo. Com o câmbio favorável, a preço da commodity também está valorizado, passando de R$ 840, dois meses atrás, para atuais R$ 1,2 mil a tonelada.
    No âmbito interno, a recuperação de unidades que estavam ociosas e voltaram a operar por meio da atuação de cooperativas. O modelo é favorecido no Estado pela concessão de incentivos fiscais, como o crédito presumido de 18,5% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), além de uma redução da alíquota do imposto sobre o etanol hidratado pela recuperação de unidades que estavam ociosas e voltaram a operar por meio da atuação de cooperativas.
    Reativada no ano passado, a Usina Pumaty resgatou cerca de quatro mil empregos diretos na região durante sua primeira safra. Atualmente ela emprega cerca de 300 funcionários na fábrica e mais de três mil no campo, conta o presidente do Sindicato de Cultivadores de Cana (Sindicape), Gerson Carneiro Leão. “Beneficia os nativos e moradores de municípios vizinhos que não precisam mais deixar suas cidades em busca de trabalho”, pontua.
    Reaberta recentemente por meio pela cooperativa Agrocan, que arrendou e está gerindo a unidade, a Pumaty injetou aproximadamente R$ 50 milhões na economia local no ano passado, gerando R$ 8 milhões de ICMS estadual. “A renda gerada pela retomada da moagem fomenta comércio e serviços locais, criando indiretamente outros empregos”, lembra Frederico Pessoa de Queiroz, da Agrocan.
    O presidente da União Nordestina dos Produtores de Cana (Unida), Alexandre Andrade Lima, destaca que a articulação de produtores em cooperativas - que também reativaram a Usina Cruangi neste ano - tem fortalecido o setor diante das adversidades do mercado. “Enquanto São Paulo fechou 80 unidades estamos reabrindo operações”. Ele adianta que a Usina Pedroza, no município de Cortêz, também voltará a participar da safra depois de um ano parada, gerando cerca de três mil empregos diretos no póximo mês.
    Episódio ocorreu após obra da 232
    A migração dos trabalhadores da cana-de-açúcar para empregos nas áreas urbanas, assim como no período de pico de geração de empregos em Suape, e posterior retorno ao setor já aconteceu mais intensamente em outros momentos, recorda o presidente do Sindaçúcar-PE, Renato Cunha. “Na construção da BR-232, por exemplo, houve uma evasão dos trabalhadores do setor em menor escala e o regresso após conclusão da obra”, cita. O cenário atual se diferencia pelo retorno de uma mão de obra mais qualificada, na avaliação de Cunha. “Há uma migração para cargos mais urbanos como o de motorista e o de operador de máquinas”, observa.
    Assim como os profissionais, as cidades interioranas também se transformaram nesse processo de desenvolvimento, ressalta o secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado, Thiago Norões. “Esses trabalhadores estão voltando para cidades melhor estruturadas na saúde, na educação”, destaca. Apesar do emprego sucroalcooleiro ter um aspecto sazonal, parte das vagas tem caráter permanente, pondera o gestor. “A indústria sucroalcooleira é grande geradora de empregos formais e tem um potencial de modernização importante, quando se fala em biomassa, na evolução da genética”, acrescenta.
    O fluxo atual tem como peculiaridade, além da desmobilização de grandes obras, o cenário econômico de desaceleração da economia do País, que surtiu um efeito catalisador na retração das oportunidades nas regiões metropolitanas. Esse aspecto é reforçado nos últimos dados da Pnad, do IBGE. “O levantamento aponta um crescimento da ocupação no primeiro semestre de 2015 em Pernambuco, entretanto uma queda na ocupação formal nas áreas metropolitanas, mostrando uma situação melhor no interior”, explica o economista e diretor da Agência Condepe/Fidem, Rodolfo Guimarães.

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