sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Perfis falsos: especialistas alertam sobre falta de legislação na internet

Mesmo com a sanção do Marco Civil da rede de computadores, há muitos fakes nas redes sociais e a ausência de leis específicas

 Jorge Macedo

Sancionado em abril de 2014, o Marco Civil pretendeu regular, por lei, o uso da internet no Brasil. Contudo, a legislação ainda deixa muitas falhas no que diz respeito ao anonimato na rede e aos crimes praticados em ambientes virtuais. Levantamento feito pelo Correio mostra que a quantidade de fakes (perfis falsos) alcança números importantes nas redes sociais. Além disso, o uso de robôs — programas capazes de controlar perfis falsos e automatizar a publicação de mensagens — tem se tornado cada vez mais frequente, especialmente quando o assunto é política.

Correio teve acesso a um relatório produzido pelo Facebook em maio de 2012. Nele, a companhia, liderada por Mark Zuckerberg, apresentou dados sobre a empresa para investidores na bolsa de valores de Nasdaq. Entre outros pontos, chama a atenção, no capítulo “riscos do negócio”, o número de contas duplicadas ou falsas, os famosos fakes. Em 31 de março de 2012, o Facebook contabilizava em todo o mundo 901 milhões de usuários ativos, sendo que 6% desse total eram perfis falsos, algo em torno de 54 milhões de contas.

Criada em 2006, a ONG SaferNet reúne cientistas da computação, professores, pesquisadores e profissionais do direito. O objetivo, segundo o presidente Thiago Tavares Nunes de Oliveira, é defender e promover os direitos humanos na internet. De acordo com Thiago, os números relativos a fakes na rede só tendem a crescer. “Pelas estimativas que temos, os perfis falsos no Facebook devem estar na casa de 10%. No mundo, já são 1,4 bilhão de usuários, mas as contas estão próximas dos 2 bilhões. No Brasil, são cerca de 100 milhões de usuários para algo em torno de 130 a 150 milhões de contas ativas. O Facebook é a maior rede social do mundo, não é à toa, por exemplo, que foi escolhido como principal campo de batalhas ideológicas nas últimas eleições”, diz o presidente da SaferNet. Com isso, pode chegar a um terço de perfis falsos na rede social no Brasil.

Para Demi Getschko, diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), o simples fato de alguém ter um perfil falso não é um problema. “Isso é algo que faz parte da personalidade humana, somos multifacetados. Meu comportamento no trabalho, por exemplo, é bem diferente de quando estou no bar com amigos. Assim, ter perfis distintos na rede para exercer comportamentos variados é normal. O problema ocorre quando se utilizam as ferramentas tecnológicas para infringir a lei, como caluniar ou difamar alguém”, pontuou.

Relator do Marco Civil na Câmara, o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ) diz que a lei, sancionada em abril do ano passado, não veda a existência dos fakes. “A Constituição proíbe o anonimato. Porém, isso não significa que uma pessoa não possa criar um perfil falso para poder exercer sua liberdade de expressão. Ela pode omitir dados ou criar um fake, o que não significa que está no anonimato. Se o Judiciário exigir, ela pode e deve ser identificada. A partir do Marco Civil, é necessário ser identificável, mas não é obrigatório ser identificado”, ressaltou ele.

Para o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, mesmo após o Marco Civil, a internet continua a ser uma “terra sem lei”. Kakay defendeu a atriz Carolina Dieckmann, que, em maio de 2011, teve 36 fotos íntimas roubadas de um computador pessoal e divulgadas por hackers na rede. Após o episódio, o Congresso editou a Lei nº 12.737/2012, que promoveu alterações no Código Penal Brasileiro para tipificar crimes cibernéticos.

“Não há uma resposta tão rápida que diminua crimes num intervalo tão pequeno de tempo. Com o caso dela, a discussão sobre delitos em ambientes virtuais ganhou uma enorme importância, mas não é a simples edição de uma lei que fará com que os hackers deixem de agir. A internet é uma terra sem lei, um lugar sem rosto, onde as pessoas não se identificam e muitas vezes propagam absurdos, inclusive difamando pessoas”, ressaltou Kakay. “Outro problema é a sensação de impunidade. Só temos delegacias especializadas em crimes virtuais em oito estados e apenas nas capitais”, completa Thiago Tavares Nunes de Oliveira.

Aumento

No Brasil, o uso de fakes e robôs é bastante frequente no ambiente político. Alexandre Atheniense, advogado especialista em direito digital, aposta que em 2016 a internet será um dos principais palcos de disputa entre os candidatos. “Em 2014, havia uma estratégia de guerrilha eletrônica, especialmente no Twitter e Facebook. Os ânimos são mais acirrados em âmbito municipal. Creio que o que vimos no ano passado dará uma ideia do que serão as próximas eleições. Certamente, teremos grandes batalhas virtuais, com o uso intenso de fakes e robôs”, destacou.

A compra de “curtidas” e “likes” por perfis falsos, com o objetivo de alavancar números, é feita de forma ostensiva. Além de vários sites estrangeiros, existem também empresas brasileiras oferecendo o serviço. Dentro da página www.ultrafollow.net, por exemplo, é possível comprar, no pacote mais popular, 5 mil seguidores — reais e com fotos — por R$ 60. A empresa promete “sigilo total” aos clientes e ainda divide o pagamento em até 12 vezes no cartão de crédito. Além do Twitter, no site da Ultrafollow é possível comprar seguidores para a rede social de fotografias Instagram. Procurada pela reportagem, a empresa não retornou aos contatos da equipe.

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