quarta-feira, 17 de maio de 2017

Brasil engatinha no combate à homofobia



No primeiro quadrimestre deste ano o número de assassinatos no grupo mais vulnerável da comunidade LGBT subiu 20% em relação ao mesmo período de 2016

Por: Folhapress


Combate à homofobiaFoto: Folha de Pernambuco/Arquivo


O país que exportou duas das transexuais mais requisitadas do mundo da moda, Valentina Sampaio e Lea T., também é um dos que mais mata transgêneros no mundo.

Só no primeiro quadrimestre deste ano, o número de assassinatos no grupo mais vulnerável da comunidade LGBT subiu 20% em relação ao mesmo período de 2016, até agora o ano mais violento da década para essas pessoas.

De acordo com o último relatório da ILGA (Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais), o Brasil ocupa o primeiro lugar em homicídios de LGBTs nas Américas, com 343 mortes por motivação homofóbica em 2016. Ativistas brasileiros estimam que 144 desses homicídios sejam de travestis e transexuais.

Apesar de questionável devido à falta de monitoramento em países onde a homossexualidade é criminalizada, como Guiana Francesa e Barbados, e pela escassez de pesquisas oficiais por parte dos países, o dado é destaque desse relatório, que embasa as discussões da ONU sobre o tema e é lançado todos os anos para o Dia Mundial Contra a Homofobia, festejado nesta quarta-feira (17).

Embora haja conquistas recentes, como a autorização para servidores públicos usarem o nome social - aquele assumido publicamente e não o da certidão de nascimento - o país engatinha na promoção do respeito ao segmento no ambiente familiar, nas escolas e no trabalho.

"É nesses lugares onde nasce o preconceito que joga as travestis e transexuais na prostituição [estima-se que 90% se prostituem], estimulando o ódio desmedido de parte da sociedade", afirma Bruna Valim, 42, mulher transexual e articuladora da Rede Trans Brasil para SP.

Os registros da Rede e do GGB (Grupo Gay da Bahia), colhidos a partir de notícias publicadas na imprensa e em redes sociais, revelam que os assassinatos de transgêneros não envolvem um, mas sim vários tiros de arma de fogo, múltiplas facadas e espancamento com pedras e pauladas - como no caso de Dandara dos Santos, 42, que teve sua morte por apedrejamento e tiros filmada por agressores.
Extermínio que Rubi de La Fuentes, 32, escapou quando, em 2015, uma amiga travesti foi morta a pauladas no parque do Carmo, na zona leste de São Paulo.
"Lembro muito bem quando a vi jogada no chão, com o cérebro para fora. Isso é muito comum na rua. Tenho cicatrizes por todo o corpo das facadas e das pauladas que levei. O medo de morrer me tirou da prostituição", conta.

Há cinco anos Rubi ganha a vida como faxineira e banqueteira. Há dois conheceu o namorado, com quem vive atualmente. No próximo mês, fará o que poucas iguais conseguem: completar o ensino médio. "Precisava provar para mim mesma que eu conseguiria estudar."

AUTOFLAGELO

Segundo o secretário de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, Toni Reis, por causa da discriminação nas escolas são raros os trans que conseguem concluir os estudos.

"Eles são expulsos não oficialmente. A transfobia é tão grande que a discriminação sofrida por eles é duas vezes maior do que com homens gays, que às vezes passam batido por não aparentarem ser homossexuais", explica.

A primeira Pesquisa Nacional Sobre Estudantes LGBT e o Ambiente Escolar, realizada em 2015 e conduzida por ele, aponta que 7,7% dos estudantes declarados LGBT são travestis ou transexuais. "Os depoimentos da maioria desses jovens [com idade média de 16 anos] revelaram, por exemplo, propensão ao suicídio."

O autoflagelo também ocorre em prisões. O médico Sérgio Ferreira estudou por dois anos a prevalência de tuberculose em LGBTs presos no Complexo Prisional Campinas-Hortolândia (SP) e constatou que várias evitam buscar apoio médico para doenças por medo de preconceito.

"Muitas que eram portadoras de HIV deixavam de se tratar porque se sentem hostilizadas até no posto médico. Elas cortam os cabelos e são tratadas como homens no presídio, sendo destituídas da feminilidade", diz o médico.
Em 2016, segundo a Rede Trans Brasil, 64 transexuais e travestis tentaram suicídio - 12 delas conseguiram.

O coordenador geral de políticas LGBT da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Ivan Batista, afirma que a pasta planeja criar um observatório, ainda sem prazo, que reúna informações sobre a população LGBT.

Os dados partiriam dos quatro CRDs (Centro de Referência à Diversidade) mantidos pela Prefeitura de São Paulo, que orientam e dão ajuda psicológica ao grupo. "Entendo que é difícil criar ações direcionadas sem dados precisos, e é isso que a secretaria quer conseguir", diz Batista.

Combate à homofobiaFoto: Folha de Pernambuco/Arquivo

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