sexta-feira, 18 de maio de 2018

A tragédia no metrô do Recife e o desabafo do delegado

Raphael Guerra

Após tragédia no metrô, delegado fala sobre as dificuldades diária do trabalho da polícia. Foto: Guga Matos/JC Imagem

Por Igor Leite*


Muitos que desconhecem a atividade policial imaginam que o risco do serviço existe apenas em uma eventual troca de tiros ao realizar alguma prisão. Mas a verdade é bem mais dura e esse é apenas um dos perigos que espreitam a rotina policial. Há centenas de casos graves, de lesões e até óbitos, de origens diversas, mas diretamente relacionados ao tipo de ambiente e ação de risco que o policial precisa realizar todos os dias.

A necessidade de atender ocorrências com urgência e/ou dirigir uma viatura por diversas horas, associados à tensão, causam acidentes que deixam muitos colegas, quase sempre esquecidos, com lesões graves ou permanentes, quando não é o caso de óbito. Perseguições e policiamento com carro são difíceis e com motocicleta então?

A necessidade de atuar em ambientes de maior elevação, muitas vezes subindo muros, lajes e tudo que se possa imaginar, não raras vezes ocasionam fraturas ou lesões diversas em membros inferiores e superiores.

A necessidade de atuar em ambientes desconhecidos e de baixa luminosidade, faz com que nem sempre se tenha visibilidade adequada da superfície na qual se progride, causando torções, luxações e fraturas de ossos em buracos, fossas e outros acidentes adversos do terreno.

As ações realizadas em conglomerados urbanos, muitas vezes sem qualquer higiene ou saneamento, não raras vezes em contato com excrementos, ratos, escorpiões, cobras, ataques de cães e insetos transmissores de doenças diversas, materiais cortantes de metal, vidro e outros, contaminam, adoecem e incapacitam ou lesionam, afetando a saúde de incontáveis policiais.

As ações realizadas em áreas de mata, com tudo aquilo que a natureza traz de risco, desde os ataques de animais à dificuldade do relevo do terreno, plantas cortantes e a necessidade de superar barreiras humanas, como arames farpados e outras estruturas potencialmente causadoras de lesões. Sem falar na eventual travessia de rios e outros corpos de água, muitas vezes com correnteza, jacarés ou só poluição.

Os ataques de criminosos, ou loucos, que nem sempre são disparos de arma de fogo, mas podem ser facadas, chutes, murros e até mesmo um arremesso de água fervente, além de todo tipo de agressão psicológica e física que se possa imaginar.

É possível escrever uma lista quase infinita dos mais comuns e inusitados riscos que surgem na atividade policial. Tudo isso que listei já vi ou vivi nos meus anos de polícia. Mas o fato é que muito disso sequer passa pela cabeça da sociedade, que naturalmente desconhece parte dos problemas e dos danos causados aos profissionais de segurança pública no desenvolver de sua atividade de proteger a sociedade. Há um número oculto, que não se contabiliza em planilha alguma. É o número exato de quantos policiais já sofreram em decorrência da função que realizam.

Nessa terça-feira (15), lamentavelmente e de forma trágica, dois policiais militares foram a óbito e outros dois ficaram feridos, um deles gravemente. Realizavam apenas seu trabalho, tentando salvar uma outra vida humana, possivelmente desconhecida, em um daqueles locais de terríveis condições, com baixa visibilidade, terreno acidentado e desconhecido, além da passagem de locomotivas.

Enfrentaram a hostilidade em um local de atuação extremamente difícil. Certamente um daqueles ambientes que só os bons, dedicados, guerreiros e vocacionados policiais enfrentam, em favor da sociedade e do bem servir e desempenhar de suas funções. Não há nada que amenize a perda e a tragédia. A dor da família, dos amigos e companheiros, só não é maior que a coragem daqueles que correram o risco e enfrentaram até uma locomotiva em movimento pelo bem do próximo.

Aos familiares, meus sinceros pêsames pela inestimável perda e que busquem em Deus o conforto e a paz em tão turbulento momento.

Aos demais policiais e amigos, de farda ou distintivo, um cordial abraço e o desejo de muita força para continuarmos firmes na luta, pois se é para honrar aqueles bons profissionais que se foram, temos que lembrar que não há nada que um policial dedicado e combativo mais odeie do que um policial que não honra a farda que veste.

*Igor Leite é delegado da Polícia Civil de Pernambuco

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